quarta-feira, agosto 30, 2006

Sentimentos


Estou no ar!
A ventania bate-me forte.
Mudará de rumo? Revelará sinais?

Boa noite saudade!
Não mais sentimentos a acender-me.
Já não há lógica, só fragmentos...
O enigma acena-me mosaicamente
legado em taças cristalinas.
Bebo o prazer e a dor. Trôpego,
me devoro em partículas medíocres
à procura de caminhos de abstrato sentido.
Aceito-os. Não há passos, só o destino!
Estou longe. Já não existe o mar!
Vagueio na solidão. Não há bússola...
Não mais pedra. Não existem flores.
Por lógica, removo o limbo, o lodo!

É tarde...muito tarde...
Meus sentimentos perderam-se na escuridão
à procura de trilhas dos mesmos sonhos...

Divina!
Espelho da puridade,
olha o que fizeste?

Ai de mim!
Quebraste sem piedade
o encanto do destino!

O Sibarita
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sexta-feira, agosto 25, 2006

O Circo III

“ Hoje tem marmelada? -Tem, sim senhor!

Senhoras e senhores, adorável público... boa noite!
Iniciando o espetáculo, ele, o sofredor de emoções.
No globo da morte, o amor, faz e acontece nos açoites,
E versando à amada, ali está, o palhaço em evoluções!

Amada, entrego-te o coração escrevendo o teu nome
Agora, sob a lona desbotada deste circo, eu, o palhaço
Arranco gargalhadas da platéia no fel do teu assombro
Enquanto, no trapézio, animo o céu dos meus farrapos!

No suor das gargalhadas nasci palhaço para te amar
Desse picadeiro abro consultas ao livro dos oráculos
Chamo, digo o teu nome, em resposta vejo o teu olhar
Costuro no então a lona rota na seiva do espetáculo...

Pois, reinvento a inocência brincando de palhaço
A melhor parte! No picadeiro como berço do riso
O meu coração faz acrobacias ao léu... disfarço
E clamo aos espectadores que rimem flor e dor!

Dar-te-ei o sol das copas orvalhadas do meu olhar
E nas peripécias do teu coração... laço e enjaulo!
Amor felino! Eu, o sofredor de emoções sob o luar
Desta lona rota e nesse trampolim, balanço, caio...

Admirável público meu cordial muito obrigado
Encerrando este espetáculo bradem comigo!

"O raio do sol suspende a lua,
Olha o palhaço no meio da rua...”

O Sibarita
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segunda-feira, agosto 21, 2006

Alagados

Aos amigos de Infância
In memorium: Valtemir, Vando Bandolo, Gilson Caruru,
Toinho Magriça, Carlinhos Negão e Mario Nagô.

Estes versos
são memórias e sonhos
da maré como lembrança
nos desejos da infância
vivida nas palafitas...
De pés descalços
correndo pelas pontes,
catando raios de sol
nas asas de um beija-flor!
Meu coração tinha enredos:
melancolia e fantasias
palpitavam como folias
e desfilavam sem alegorias...

À noite,
os momentos eram
infinitos: um fifó aceso
espantando a escuridão,
gatos lânguidos esfomeados,
ratos correndo dos algozes
e tamancos rachados
fugindo da leptospirose...
O tempo à noite
sempre se estendia,
eu tentava empurrá-lo
com as mãos, pura agonia!
Ele teimava em desfilar
entre os dedos, lentamente...
Segundos, minutos, horas e dias,
parava o tempo!

Uma Ave Maria e um Pai Nosso
para amenizar o sofrimento!

Pela fresta,
via-se as últimas gotas
de estrelas trêmulas
circulando sobre tábuas
podres sobrepostas
e esqueletos de caibros
sob a lua que ludibriava os telhados...

O dia
florescia na enchente,
atiçada pela maré de março.
Em cada barraco, olhos velados
retiravam o que tinham
e o que não tinham, sufoco!
O povo dos alagados
recorria a todos os santos
sob a luz de um sol minguado...

Correi marezeiros!

Há nas pontes,
dependurados e sombreados,
desejos da vida, sangue em lágrimas,
trapos velhos e pinicos furados
rasgando o ventre dos sonhos,
agora, macerados!
Bocas de caranguejos, asas de morcegos
e nenhuma flor como desejo...

A maré cheia
nos convidava ao mergulho.
Crianças davam caídas,
era o prazer do corpo na água,
o debater de braços e pernas,
nadar! Ingenuidade da flor idade...
Na borda do prazer,
a cilada montava o cenário
entre estacas, lixos e galhos.
O perigo era fatal... Tarde demais!
No azul, um sol de tempestades.
A morte é crua, a felicidade é fugaz,
na adversidade mais um que se vai...
Erguia-se um silêncio!
Havia uma alma desesperada,
em fuga, pedia a extrema-unção.
A tarde uivava, a dor se curvava
e nenhum padre, nenhuma benção,
mas a noite te virá em orações!
Naqueles momentos,
a maré cumpria a sua sina.
Vestia-se de cinza
e nos desespero das lágrimas
uma garoa fina!

Mas, não sei, era paradoxal!
Pratos vazios, tripas em revoluções,
urubus, cachorros e ratos
lutavam por comidas no beira mangue...
Siris magros e mariscos aferventados,
crianças amareladas exangues.
O prato se repartia, mercúrio disputado,
enquanto, lombrigas faziam greve de fome!

Sob um céu de jade,
natal chegava
com luas estreladas!
Nos olhares, quanta alegria,
escondendo a dor, a melancolia...
Os barracos eram enfeitados,
nos pisos de tábuas carcomidas
a areia branca dava o toque mágico,
nos alagados, enfim, tinha vida!
Nos jarros de barro,
galhos de pitanga e espadas de Ogum,
folhas de arruda presas nas portas,
sal grosso nos telhados e alfazema
para espantar os maus-olhados,
gatos pretos ludibriados...
A noite era o olhar e viria em clarões!
Nas portas, nenhum tamanco, nenhum chinelo
e pela manhã, nem ao menos uma bola, uma boneca!
Papai Noel nunca vinha, disfarçava, enganava...
No fundo de nós,
uns olhos de tormentos
torturados por natais iguais,
à procura de manhãs desiguais!

Valei-nos, Jesus menino!
Lembrai dos vossos pequeninos,
em vossas mãos, os nossos destinos!

O Sibarita.


quinta-feira, agosto 17, 2006

Nada além...



Nada sei além desta janela
aberta diante do meu olhar.
É a maré, é a maré!
Lixos e ratos
estampados no horizonte
de urubus circundando
pelo céu sob a réstia
do sol alumiando meus olhos
perdidos no escarcéu.
Olhando da janela
a visão é ciclope
e me remete
à infância na maré.
As rajadas no azul cinza
de moribundos dias
não esquecidos.
Quebrantava-se o dia...
Era a vida!
Miríade de sonhos
na misantropia
dourando barrigas de lombrigas
sucumbindo pela anemia...

Nada além...
A fome e o lixo!
Das flores,
apenas, o resquício.

O Sibarita

quinta-feira, agosto 10, 2006

Prelúdio


Há de se exprimir esse derramamento de amor
Letras por letras, letras vivas que a boca não diz!
Eu sei que o mesmo coração que molha a pena
Expressa nos versos o desejo, o instinto da paixão...

Mas, o amor faz medo... A confissão espanca, arde,
Sangra impotente, dá nó e morre presa na garganta.
Enfolho então o grito abafado, o pensamento ferve
Vulcão sentimental, incandescente e lava reticente...

O coração traspassado na paixão fala e fala nos versos
Na mente, a ânsia do amor, escorre em retalhos de papel!
-Guardo, no entanto, nos meus olhos os desejos imersos...

Os debruns das palavras tornam-se um turbilhão
A flor, o canto, o olor e o céu de quem escreve!
-Diga ai coração com seis cordas de paixão...

O Sibarita
Set/03

quarta-feira, agosto 02, 2006

A Razão e a Psiqué


Há uma esquina no metafísico da minha psiqué
Que foge do oculto e se esconde no teu olhar!
Quem sou? Não me perguntes, não tentes saber
Contenta-te, fita-me e que te bastes imaginar...

Não finjo, há um dilúvio de luz na minha alma
E na paisagem o sibilo de flechas na escuridão
Rompe em tochas o noturno da noite que medra
O azul dos versos no eco do psicofísico da razão...

Meu cérebro é eletrônico no perímetro urbano
Tem largas ruas, becos, caminhos e um delta
Na foz da psique desembocando no rio insano
Da paixão que afoga os desejos na aresta...

Das solidárias sou servo... Colho os lírios da lua
E, olhando das estrelas, na fé, sinos axiomáticos
Badalam na esquina do pensamento a face nua
Do fervor que brota no espaço mental somático...

Mas, trago no peito um gramofone anunciando
Um coração partido ao meio e no zênite, o fogo
Do amor que devasta nuvens alvas reverberando
Na vitrine dos olhares de um anjo vesgo, coxo...

O Sibarita
Agos/04