sexta-feira, março 30, 2007

ALAGADOS (PALAFITAS)

Alagados (Palafitas)

Em homenagem aos meus amigos de infância.
(Especialmente aos que se foram: Helena, Chica,
Deusinha, Toinho Magriça, Mário Nagô, Carlinhos negão,
Valtemir, Vando Bandolo, Gilson Caruru, Marquinho...)

Estes versos,
são memórias e sonhos
da maré como lembrança
nos desejos da infância
vivida nas palafitas...
De pés descalços
correndo sobre as pontes
catando raios de sol
nas asas de um beija- flor!
Meu coração tinha enredos.
Melancolia e fantasias
palpitavam como folias
e desfilavam sem alegorias...

À noite
os momentos eram
infinitos, um fifó aceso
espantando a escuridão,
gatos lânguidos esfomeados,
ratos correndo dos algozes
e tamancos rachados
fugindo da leptospirose...

O tempo à noite
sempre se estendia.
Eu tentava empurrá-lo
com as mãos, pura agonia!
Ele teimava desfilar, entre
os meus dedos lentamente...
Segundos, minutos, horas e dias.
Parava o tempo!

Uma Ave Maria e um Pai Nosso
para amenizar o sofrimento...

Pela fresta,
via-se as últimas gotas
de estrelas trêmulas,
circulando sobre
tábuas podres sobrepostas
e esqueletos de caibros
sob a lua, que ludibriava os telhados...

O dia
florescia na enchente
atiçada pela maré de março.
Em cada barraco, olhos velados
retiravam o que tinham e o que não tinham.
Sufoco! O povo dos alagados
recorria a todos os santos
sob a luz de um sol minguado...
Correi marezeiros!
Há nas pontes
dependurados e sombreados:
desejos da vida, sangue em lágrimas,
trapos velhos e penicos furados
rasgando o ventre dos sonhos
sempre macerados!

Bocas de caranguejos
asas de morcegos
e nenhuma flor como desejo...

A maré cheia
convidava ao mergulho.
Crianças davam caídas,
era o prazer do corpo na água,
o debater de braços e pernas, nadar!
Ingenuidade da flor idade...
Na borda do prazer,
a cilada montava o cenário
entre lixos, galhos e estacas.
O perigo era fatal... Tarde demais!
No azul, um sol de tempestades.
A morte era crua, a felicidade era fugaz.
Na adversidade, mais um que se vai!
Erguia-se um silêncio,
havia uma alma desesperada,
em fuga, pedia a extrema-unção!
A tarde uivava, a dor se curvava
e nenhum padre, nenhuma benção,
mas, a noite te virá em orações!
Naqueles momentos,
a maré cumpria a sua sina.
Vestia-se de cinza
e nos desesperos das lágrimas,
uma chuva fina...

Mas, não sei, era paradoxal!
Pratos vazios, tripas em revoluções
urubus, cachorros e ganhamuns
lutavam por comidas na beira mangue.
Siris magros e mariscos aferventados
crianças amareladas exangues!
O prato se repartia, mercúrio disputados,
enquanto, amebas e lombrigas faziam greve de fome...
Novo dia chegava, com ele, dona esperança
enganava a fome, a miséria... saia de fininho
e se jogava das pontes. Comida para barrigas vazias!
Nos telhados, a morte, despudoradamente ria,
filmava a cena de binóculos na aba de pratos sonhados...

Sob um céu de jade,
natal chegava com luas estreladas!
Nos nossos olhares quanta alegria
escondendo a dor, a melancolia...
Os barracos eram enfeitados,
no piso de tábuas carcomidas
a areia branca dava um toque mágico,
nos alagados enfim, tinha vida!
Nos jarros de barro,
galhos de pitanga e espada de Ogum,
folhas de arruda presas nas portas,
sal grosso nos telhados e alfazema
para espantar os maus olhados,
gatos pretos ludibriados...

A noite era o olhar e viria em clarões!
Nas janelas nenhum chinelo, nenhum tamanco.
Papai Noel nunca vinha, ele disfarçava, enganava
e nem ao menos um presente, uma bola, uma boneca...
As crianças da maré sonhavam descalças!

No fundo de nós,
uns olhos de tormentos
torturados por natais iguais,
à procura de manhãs desiguais!

Valei-nos, Jesus menino!
Lembrai dos vossos pequeninos,
em vossas mãos os nossos destinos!

O Sibarita

terça-feira, março 27, 2007

SENTIMENTOS

Sentimentos

Estou no ar!
A ventania bate-me forte.
Mudará de rumo? Revelará sinais?
Boa noite, saudade!
Não mais sentimentos a acender-me.
Já não há lógica, só fragmentos...
O enigma acena-me mosaicamente,
legado em taças cristalinas.
Bebo o prazer e a dor. Trôpego,
me devoro em partículas medíocres
à procura de caminhos de abstrato sentido.
Aceito-os. Não há passos, só o destino!
Estou longe. Já não existe o mar.
Vagueio na solidão. Não há bússola...
Não mais pedra. Não existem flores.
Por lógica, removo o limbo, o lodo!

É tarde...muito tarde...
Meus sentimentos perderam-se na escuridão
à procura de trilhas dos mesmos sonhos...

Divina!
Espelho da puridade,
olha o que fizeste?

Ai de mim!
Quebraste sem piedade
o encanto do destino...

O Sibarita

terça-feira, março 20, 2007

PLENITUDE

Plenitude

A minha paixão tem sintonia fina,
Porque o meu desejo é tão imenso,
Que o coração tocaia na esquina
Os teus lábios de beijos intensos...

Entrego-me, abro os teus flancos,
Desabrocho o fogo que te fervilha,
Porquanto beijo teus lírios brancos
Minha mão brinca entre tuas virilhas...

Minhas mãos - poemas perfeitos-
Deslizam no teu corpo de salgas,
E no arrebol de ouro do teu púbis
Eu defloro o amaranto do teu sol...

Na flora umedecida do teu púbis
Adentra com sede o meu sexo
E na turgescência a natureza flui
O vinho branco agudo dos nexos...

Unido ao teu tempo e na resina
Impregnada do teu olor, minha rainha,
Tu tens nos beijos o fogo de menina,
Ao afogar-me no melaço da tua vinha.

Vinhas dos céus, vôo de beija-flor!
Eu, menino, por ti, viajei longe
E fiz o pouso sob aquele cobertor
Para brincar de esconde-esconde...

O Sibarita


sábado, março 17, 2007

ÁGUA FUNDA

Água Funda...

Caô, caô! Eu me entrego, ando mesmo na arribação.
Tudo agora e amanhã explode em torres de insônias
E ao sopro da tua volúpia no tum tum tum do coração
Eu desfio as luas coalhadas e toco fogo na babilônia...

O meu pensamento é fervura, é dilúvio, é vulcão
Em ignição derretendo a face do amor submerso,
Que geme por cada filete no grito de desesperação
Em tremores de passos no meu quarto deserto...

Do mar de aéreo azul, amada, tens os olhos exilados,
No teu olhar pendem interrogações sob o sol deserto,
Crepúsculo que se esvai encobrindo o teu rosto amado
De sal nos lábios e coração mais que cimento. Concreto!

Curvada no teu seio, a paixão, sempre vem a galope
E no horizonte de ganhos e perdidos o teu nome ruge
Desfilando os momentos lentamente. Ai! Foge o tempo
E, entre, os prazeres divinais, na fome, como nuvens...

Em mim, é que habitas, minha dona e minha comparsa.
Eu, primavera em flor na nascente de todas as loucuras
Vejo-te da tua janela, em uma lua longa, magra, esparsa
E no teu olhar, céu que germina furacões, a candura...

Mas, eu permaneço em mim mesmo segurando o tempo.
E quem dirá das ânsias infinitas que o coração inunda?
Do dia e noite varridos nas asas dos arcanjos da agonia?
- São tantos os cinzas ardidos no abismo e água funda...

O Sibarita

sábado, março 10, 2007

DEUSA

Deusa

Retorno a mim, hoje, agora.
Vou me ser, outra vez,
Nesse último sol
que se apaga lá fora
no cinza poente do teu olhar
o teu oceano
em qualquer navegação
de qualquer mar morto
que afogue meu coração.
E contigo todas as sereias
dos oceanos e dos céus,
todas as ondas, os ventos e os arrecifes
todas as musas e as deusas sem véus
Febe, Calíope, Briseida e Afrodite.
Não direi das ondas fortes
em cascos de veleiros...
Ah, sobre os teus seios
de deusa também um deuse
em cardumes de desejos
e todas essas fêmeas,
todas essas musas, bendigo!
Oh deusa, eu vou à volúpia
de uma noite contigo.
O azul e a noite, a lua e tu,
tuas deusas e tuas sereias.
Comigo o mar de ti
num leito de rosas
e lençóis de jasmim
ao ritmo do teu corpo
entre a cintura e o teu quadril
mais a manta de aromas
do meu corpo viril
em monte de pétalas desfeito...
A cada arco das tuas curvas
moldaremos à forma o meu corpo.
Tua pele aprenderá da minha
o aroma e maciez e desejos.
Em cada palmo da tua pele estou
em cada poro do meu corpo estás.
Aprenderás, ainda, que a noite
dos que dormem a aurora acordam
sobre os seios das deusas...
Vem dormir comigo e contigo
todas as deusas e sereias
todas as ninfas e musas.

Ai deusa, este poema
é como um punhal
pelo punho brota flores...
E quem quiser ver-me
que me procure nos teus olhos.

Valha-me Deus! Oh, deusa
cravei o tritão de Poseidon na lua
e as velas de tua nau serão escassas
para enxugar-te as lágrimas...

E nunca mais:
a melodia de um reggae
dos hinos do Bob Marley
aos teus ouvidos cegos...

O Sibarita

sexta-feira, março 02, 2007

RUMOR DO CARNAVAL

Figura Iluminada Joan Beltrán Bofill
R u m o r

Tudo bem...
que esta poesia
se torne um folhetim
que ainda gostes de mim
e que na minha camisa
tenha manchas de batom
que não os teus!
E que o perfume impregnado
não seja o teu!
Tudo bem...
que te arrenegues dos beijos
e que não te negues os fatos...
Que faças
as tuas buscas
a procura de lábios
em rostos abstratos
de possíveis retratos!
Tudo bem...
que eu seja o teu fetiche
exorcize os teus demônios
que tu sejas os meus anjos,
que a paixão é inexorável
e tenha se tornado rumor
de beijos indecifráveis...

Só não queiras
guilhotinar minha alma
nesta tua cegueira
que ela tem belos gerânios
em horizontes estâncianos
com sede imensa de luzeiros
e dos teus beijos por inteiros!

Tudo bem...
que dista o alado do condor
mas, saibas que ainda me tens...

O Sibarita