sábado, janeiro 30, 2010

DEMÔNIA

Demônia

Na nudez das manhãs, do teu olhar exilado
Vejo o mar na cor dos negros olhos, concordo!
E do teu coração ao continente do amor navegado
No mapa da paixão, abro as velas! Ufa! À bordo...

Enigma originado estendo-me em tua alfombra
A nudez do horizonte acende o pavio... Demônia
Andas, à noite, vasculhando meus sonhos, inflamas
Céus, luas, estrelas e a paixão no fogaréu da insônia...

Oh! Alma fresca, o coração em chamas te chama!
O fervor ao sabor do teu rubro vinho, o fogo avança
De um incêndio ao outro incêndio... E, no compêndio
Deste teu poema, a palavra é amor! O desejo se lança...

Como a chama dos santelmos, hei de encontrar-te, açucena.
Já me tens preso na íris dos teus olhos em que busco o estio!
Vou pela porta aberta desta primavera soberba e serena
No entanto, julgo-te lua nas fases do teu olhar ao azul anil...

Coração aos ferros, bronze florentino esculpindo a madona
Enquanto, em um canto qualquer do meu quarto, desbotados
Jarros chineses voltam a ganhar vida na luz do olhar de Jônia
O teu coração veste o nu da estátua, a lua ri no meu espelho.

O Sibarita

terça-feira, janeiro 26, 2010

JOÃO PALAFITAS






João Palafitas
(Em memória)

Para o povo das palafitas, em especial,
a Dona Gilda, Dona Joana rezadeira
e Tonho de Zene, com idades entre
75 e 84 anos.

Acordou, escovou
os dentes com carvão,
olhou a mesa, pratos vazios...
Ruminou com os olhos a fome!
Abriu a janela, viu
um sol nascente mirrado,
mas, que enche bocas vazias
dependurado nos caibros...

Rogou aos céus!

Passou pó de pemba no peito,
colocou o patuá no pescoço,
fechou o corpo!
Apanhou o velho gereré,
chamou por Ogum de Ronda
e desceu para a maré.

Foi mariscar...

Papa-fumo, chumbinho
canivete, rala-coco, siris,
caranguejos e aratus magros.

Não acreditou!

Passou as mãos nos olhos,
viu a fonte do seu alimento,
sem ao menos lhe darem
outro meio de sustento
aterrada pelo lixo
da noite para o dia!

Chorou nas mãos
toda a sua agonia...

Enquanto,
ratos, baratas e urubus
faziam a festa, sorriam!

Ainda restava
um penico de maré.
Não pensou duas vezes:
no gereré rasgado
deu algum nó
e pescou magros baiacus.

Tinha ali o seu pôr-do-sol!

Subiu as pontes,
passou no balança mais não cai,
cacete-armado de Tonho de Zene,
onde, o sofrimento ali se esvai,
pediu uma e deu para os santos,
depois, tomou três poca-olho.
Saiu mambembe,
revirando os olhos, zarolho...

Chegou ao barraco, sem tirar as tripas,
feliz, jogou na panela os baiacus!
Danação de fome... Aferventados,
encheu o prato, agradecido,
fez o sinal da cruz!

Chamou para dentro o alimento,
enganou ali todo o sofrimento...

Deitou, dormiu por breve momento,
sonhou com uma vida melhor,
com a primeira namorada,
como seriam os filhos ali
sem escolas, sem horizontes,
só lixos, ratos e baratas por todos os cantos
e nenhuma felicidade por encanto!

Valei-o Senhor do Bonfim!

Bateu escuridão! Acordou,
com o serviço de alto falantes
São Lázaro tocando: “Eu não
tenho onde morar...”

Deu caruara, guenzo
correu para o penico,
o corpo trêmulo, suava!

Ainda tomou um chá de velame
para rebater o veneno dos baiacus
que lhes tinham saciado a fome.

Deu vexame!

Colocaram o corpo moribundo
no carrinho de mão,
correram pelas pontes
Santo Antonio e Copacabana
em busca de socorro.
Chamaram Dona Joana rezadeira,
ela, com três galhos de guiné
e um dente de alho macho
rezou o corpo de João
pensando que era mal olhado...

Tarde demais!

João, ainda, semi-inconsciente,
pensou em Gilda sua namorada,
no terreiro de Candomblé, era corujebó,
na roda de capoeira, nos pais,
nos amigos de infância,
no ano novo chegando,
na mesa farta que nunca teve
e em uma vida melhor com esperança.

Deu o último suspiro,
ficou tudo na lembrança...

Luz de presságios acesa numa vela
que lhe serviu de consolação
João Palafitas, em fim, bateu biela!

Colocam a candeia em suas mãos
cumpriu-se, então, o seu destino
a maré lhe fez a extrema-unção...

Nas rodas de capoeiras
o luto dos berimbaus.
Nos terreiros,
o silêncio dos atabaques!
Nos barracos pendurados
uma maré cinza nos olhares...

A morte não lhe revela a vida sonhada,
a felicidade num mundo desigual,
retorna assim aquela alma penada
Sem eira nem beira a pátria natal...

No azul, trovões num céu urdido
cercado pelo anjo retorcido...

Deus sabe!

O Sibarita

BAIANÊS (Vocabulário empregado)

Escovar os dentes com carvão – Como não se tinha dinheiro para comprar pasta de dentes, escovávamos os dentes com um pedaço de carvão.

Caibros – As casas nas palafitas eram erguidas sobre a maré com caibros, restos de madeiras e papelão.

Pó de Pemba – Pó feito nos Terreiros de Candomblés e benzido pelos Orixás que é usado no corpo contra as impurezas e maus olhados.

Patuá – É um amuleto espiritualmente preparado para proporcionar a quem usá-lo proteção e sorte. O Patuá é feito com fundamentos ritualísticos dos Orixás protetores, é rezado e consagrado pelas entidades africanas.

Gereré – Tipo de rede pequena como se fosse um coador em dimensão maior para pescar. Muito usado na Bahia.

Mariscar – Pegar, catar mariscos.

Papa-fumo, chumbinho, canivete, rala-coco – Tipos de mariscos existentes na Bahia.

Penico de maré – Um pouquinho, resto de maré.

Baiacu - Peixe pequeno venenoso muito encontrado na Bahia de sabor incomparável tanto que no Japão é um dos pratos preferidos. Para comer o baiacu tem que saber tratá-lo por causa do poder de seu veneno que é fatal ao homem.

Balança mais não cai, Cacete-armado – Espécie de boteco de última categoria sobre a maré sustentado por quatro caibros um em cada extremidade que fica balançando ao bel prazer do vento, da maré. Só vende cachaça das brabas infusada com folhas tipo: milome, erva-doce, capim santo e por ai vai sem nenhuma higiene, é lá que o povo da maré desafoga suas mágoas.

Pediu uma e deu para os santos – Na Bahia, é crença dar o primeiro gole aos santos, ou seja, faz o despacho jogando na rua o gole em três direções, a primeira para direita, a segunda para esquerda e a terceira no meio e ai acredita-se que tá com o corpo fechado, a partir daí pode-se tomar todas.

Poca-olho – Cachaça de infusão que deixa o individuo bêbado rapidinho e quase sempre com os olhos esbugalhados.

Mambembe – Bêbado, trôpego.

Revirando os olhos, zarolho – Quando a pessoa começa a ficar bêbada e os olhos querem sair das órbitas.

Bateu escuridão – Escureceu tudo.

Serviço de alto falantes São Lázaro – Era o que nos ouvíamos.

Deu caruara – Deu tremedeira.

Guenzo – Mole.

Penico – Urinol

Velame - Folha encontrada na Bahia muito usada para chá no combate a vários sintomas entre os quais o veneno do baiacu.

Deu vexame – Pediu socorro.

Pontes – Eram assim chamadas às ruas na maré, já que eram feitas de tábuas, interligavam as casas.

Santo Antonio e Copacabana - Nome das pontes. (ruas)

Rezadeira – Era como se fosse médica, não tinha posto de saúde, então, as rezadeiras rezavam pela cura.

Mal olhado – Diz-se doença adquirida pelos olhos de outras pessoas, inveja.

Corujebó – Filho de santo que leva os Ebós (feitiços, comida para os Orixás) para as encruzilhadas sempre à noite.

Vela acesa, a candeia em suas mãos – Colocava-se uma vela acesa na mão de quem estava morrendo para chegar do outro lado na luz.

Bateu biela – Morreu.

SELOS RECEBIDOS

O primeiro foi concedido por Ana Cristina

As quais agradeço pela bondade da concessão.


quinta-feira, janeiro 21, 2010

SUCURI

Sucuri

O amor balança por entre os teus olhares
Se renascemos no novo, desejos são asilos
Não apenas agora, no amanhã, os detalhes
Serão luzes brandas filtrando dos resíduos...

O amor, sim, o amor, mas, o que é o amor?
São quereres, são desejos ou são enuncias?
Meu bem, por vezes é perdão, rocha e flor
Se tudo expande no luzeiro das renuncias...

Assim, a luz trazendo as bem-aventuranças
Na rotação do horizonte o tempo é todo teu
Descortinando o azul, o cinza e suas nuanças
É que no signo do futuro a realidade sou eu...

Oh, sei quantas vezes te querendo me apareço,
Mesmo que me envolvas em equívocos castos
Vibro, exclamo o teu nome! Em e de ti padeço,
Se não ficas, em círculos de névoa me desfaço...

Acerco-te a passos lentos sentindo o teu canto,
Em mares de aspirações me afogo nessa paixão.
Sei, os dias são quereres e estandartes brancos
Hasteados na sacada do meu e do teu coração...

À presença do amor por ter o tudo e na plenitude
Dos suspiros, dos anseios o amor não é o resumo
É história! O amor é. Está. Tem tu própria! Amiúde
Vislumbro-te, delimito-te, viro sucuri, te engulo...

O Sibarita

quinta-feira, janeiro 14, 2010

LAVAGEM DO BONFIM

Aqui a participação do povo na lavagem.

Vídeo com Mariene Castro cantando a música de Walmir Lima "Ilha de Maré" que simboliza o povão vindo da ilha para participar da lavagem do Bonfim! Demais!

O sagrado e o profano

Valha-me Cristo, é Festa do Bonfim, eu todo de branco,
O profano e o sagrado fazem a lavagem de mãos dadas.
Tenho fé, vou a pé! De olho nas moças, não sou santo,
Jogo as cajás e no toque do agogô vou comendo água...

Glória a ti neste dia de glória, o povo canta, Epá Babá!
Coloquei os meus patuás, os meus colares de Oxaguiã
Comigo a fé no Senhor do Bonfim e no meu Pai Oxalá
Mas, em verdade, levo também o Opaxorô de Oxalufã...

Gloria a ti meu Senhor do Bonfim, e dai-nos a graça divina,
Tu és a esperança, o eterno farol, a aurora dos lares baianos,
O redentor que nos conduz a conquistas desta sagrada colina
Há duzentos e cinqüenta anos aos teus pés nós te louvamos...

Elevo as mãos ao alto oro a paz, o amor e a fraternidade
Estrelas de consolo sobre os homens entreabriu-se no azul
Do céu no Bonfim para a remissão ao mundo das maldades
Transmudando o torpor das destruições em pétalas de luz...

Minha obsessão, as baianas com os jarros cheios de água de flor
Fazem a lavagem das escadarias e eu recebo as benções, afinal
Na mistura de todas as raças, sol a pino, vou tocando meu agogô
E na levada do Ijexá me entrego as moças no toque do berimbau...

Núncia do céu, oh glória a ti, dê-nos a graça nessa procissão
Vixe mainha! É numa nice, quem tem fé, vai a pé ao Bonfim
É lavagem! Sou boca de zero nove ao Deus dará, na emoção
Subo a Colina, no sagrado: oro por nós! No profano: ai de ti...

Ai amor, aconchambrei da Praça Cairu até o Bonfim e nem te falo
Misericórdia meu Deus! Tô que to, é tome e tome! Todinho arisco,
Só alegria! Tem cada negona retada. Sei não, viu? Cantei de galo
As piriguetes, cada coxa! Não agüentei não, vixe! Pedi foi pinico...

Zé Corró

BAIANÊS E IORUBÁ

Epá Babá! – Saudação a Oxalá.
Patuá – Amuleto que muitos baianos usam.
Oxaguiã – É Oxalá jovem o único orixá fun-fun que guerreia, usando para isso uma espada e um escudo que recebeu de Ogun. O tipo OXAGUIÃ é um jovem guerreiro combativo. É habitualmente alto e robusto, mas não é agressivo nem brutal. Não despreza o sexo e cultiva o amor livre. É alegre, gosta profundamente da vida, é falador e brincalhão. Ao mesmo tempo é idealista, defendendo os injustiçados, os fracos e os oprimidos. Orgulhoso, sedento de feitos gloriosos, às vezes, uma espécie de D. Quixote. Os seus pensamentos originais geralmente antecipam os da sua época. Ele é o nascente.
Oxalá – É Senhor do Bonfim no Candomblé. Filho de Olorum, orixá dos orixás. Traz o cetro sagrado chamado opaxorô, onde comanda os três mundos existentes; material, espiritual e purgatório. OXALÁ é o detentor do poder procriador masculino. Todas as suas representações incluem o branco. É um elemento fundamental dos primórdios, massa de ar e massa de água, a protoforma e a formação de todo o tipo de criaturas no AIYE e no ORUN. Ao incorporar-se, assume duas formas: OXAGUIÃ jovem guerreiro, e OXALUFÃ, velho apoiado num bastão de prata (OPAXORÔ). OXALÁ é alheio a toda a violência, disputas, brigas, gosta de ordem, da limpeza, da pureza. A sua cor é o branco e o seu dia é a sexta-feira. Os seus filhos devem vestir branco neste dia. Pertencem a OXALÁ os metais e outras substâncias brancas.
Opaxorô – Bastão de Oxalá quando ele assume a forma de um Orixá velho.
Oxalufã – Oxalá velho. O tipo físico de OXALUFÃ é frágil, delicado, friorento, sujeito a resfriados. Compensa sua debilidade física com grande força moral, e seu alvo à realizar é a condição humana no que tem de mais nobre. É fiel no amor e na amizade. Oxalufã é o poente.
Vixe mainha! – Olhe meu amor.
É numa nice – É numa boa. (nice, pronuncia-se: naice).
Quem tem fé, vai a pé ao Bonfim – Dito popular baiano, fazer todo cortejo da lavagem saindo da Igreja da Conceição até a Igreja do Bonfim a pé, uma distância de uns 10km.
Boca de zero nove - A pessoa que se diz retada, não tem tempo ruim.
Ao Deus dará – A vontade, sem preocupações.
Subo a Colina – Sobe a ladeira do Bonfim a igreja fica na Colina.
Minha obsessão – Meu desejo.
Arrocha – Ritmo musical nascido no recôncavo da Bahia na Cidade de Candeias que leva as pessoas ao delírio por ser um ritmo super dançante, ritmo contagiante.
Ijexá – Ritmo musical tipicamente baiano nascido do Candomblé.
Aconchambrar – Namorar.
Cantar de galo – Cantar vitória antes do tempo.
Piriguete – Mulher desejosa, mulher afim de namorar, de sexo.
Vixe – Não é possível!
Pedir pinico – Não agüentar, pedir socorro, sair de baixo.
Ôxem – O que é.
Caruara – Não agüentar, ficar tremendo.
Oxente - O que é isso? Qual é o caso?
Tome e tome – Fazer muito sexo.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

TEMPO

Tempo

Amas-me? -Sim! -Não sei, sou Tomé. Teu céu cega
Estendendo os tapetes pelo caminho estilhaçado.
A queixa asilada do amor abstraído no azul se nega
Opera-se o sol na direção oculta do gume afiado...

Céu e sol no teu peito por mim fincados é realidade,
Visto-me de arco-íris à noite para beijar-te dos azuis
Naquela janela em que me contemplas na saudade,
Tu és o meu infinito e tens minha alma, imensa luz...

O fogo se acende é que o amor em nós ainda anseia
Horizontes para alcançarmos a plenitude devorante.
Tu e eu, famintos dos desejos pela fome que lumeia
Mirando a essência que o tempo nos é desnudante...

Contemplo os dias na luz do teus olhos flamejando,
Vem comigo desejo! Penso em tudo que nos invade
Clamo. E clamas em mim! Dois inquietos clamando,
Respirando a mesma brisa: o amor e a felicidade...

Minha alma, aqui, além, mais longe, é sempre tua
E, se demoras, há outro olhar sobre mim, não nego.
Nos suspiros das horas mortas pulsa a crescente lua,
Se é assim que tu queres, a cada afago, me entrego.

Quando encho de amor o azul dos céus somos nós
Mergulhados na paixão, circulando no mais além.
Dentro de ti e de mim o sol de todos os girassóis
Se o tempo é futuro: Já vens, já me vens meu bem?

Meu bem, o amor é intenso, a presença se sente,
Aqui e agora, por nós, um céu que não nos desate
Quem te ama, tem a fome e a sede eternamente
O meu, o teu coração no desejo: tic, tac, tic, tac...

O Sibarita

sábado, janeiro 02, 2010

REFLEXÃO

Reflexão...

Na reflexão, já foi tarde! É, e eu com isso?
Teu céu é de temor e vidro sob o cadafalso
Dos passos no agora a caminho do enguiço,
No amanhã chorarás os dias, eu me refaço...

Não chorais sobre mim, por ti eu me perdôo,
Semeio flores do campo no fel, agonia lenta
Que agita em ti mesma no deslumbrado vôo
De asas curtas que omites, um dia despenca!

Nas batidas dos teus pensamentos ao coração,
Os castelos de areias se desfazem aos dias dúbios,
No desconsolo, teus véus caem um a um ao chão:
Cinzentos, brancos, vermelhos... Ó céu de chumbo!

Sob esta luz (?) que não te ilumina de lado algum
A caridade dos meus sentidos é prece que te liberta.
Na cerração, vagar o sem rumo, é caminho nenhum
E aí no teu coração para sempre uma chaga aberta...

Buquê da noite, ninguém te respira com inocência
Este poema te pertence e tu me esmagas, prolixo,
Os versos criam o real? O amor em ti é reticência,
Procuras em mim o que não encontras no Crucifixo...

O Sibarita