quinta-feira, março 06, 2008

MARÉ DE MARÇO

Maré de Março
A Oliver
No céu pássaros agourentos sobrevoam o espaço,
Pelas parabólicas anunciam e expõem ao mundo
Cacos de pessoas fugindo da enchente de março
Sobre tábuas carcomidas e corpos moribundos...

Era sempre assim: A miséria e a maré de março
Irmanadas nos alagados desciam goela a dentro
Em finos estiletes sangrando a esperança lassa
Nos meandros do amanhã esplêndido e luzente...

A maré sem fim formava um mosaico
Afogando o azul, desfilava lentamente,
Na fragrância da tristeza nos barracos.
-Parava o tempo: dias e noites de agonias...

Moribundas estrelas despencavam sem sono
No azul embuçado sobre telhados ao relento...
O martírio no silêncio fazia sentir o abandono
Num barquinho arribado carregando sofrimento...

Sob uma lua de pirambeira o meu barquinho
De papel navegava levando dores profundas
Por rotas desconhecidas de sonhos. Ai flores!
-Nos rostos: o sal das lágrimas e maré funda...

Da enchente daquelas manhãs em deságuo
Afogando o chão de velhas tábuas carcomidas.
Ai Deus! Vento, ventania a dança dos caibros
Sob a abóbada do balança mais cai da subvida...

Nas palafitas barrigas vazias sem infância
Ruminavam na mesa um canto de pura fome.
- O horto do martírio em chagas espanca:
Olhar miúdo, pratos vazios, crianças exangues...

As noites desciam monótonas nos fifós acesos.
Nas orações das promessas que não se alcança,
Dançava a esperança nas dobras dos desesperos
Galopando o alvorecer que fugia na distância...

Ah, lá fora, as palafitas é poço do mundo estéril.
Revirando as pontes pelos avessos e sonhando
Mariscávamos luas e sóis num celeste deletério
Sobre a maré com os nossos destinos boiando...

Ai meu São Jorge!
Livrai-nos dessa agonia,
Com a tua lança no alforje
Matamos vários dragões pôr dia...

O Sibarita

5 comentários:

Lúcia Laborda disse...

Oie lindo! Triste, lamentável, mas descreveu com perfeição, em versos de lamentos, o arroubo do mar, a erosão, que entriste o olhar do nosso irmão...
Feliz fim de semana!
Beijos

Maria disse...

Muito lindo, e triste, o seu poema, meu nego.
Mas hoje apetece-me deixar isto para vosmecê...


Um dia, ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz


E um abraço enorme daqueles, Hoje!

Oliver Pickwick disse...

Olha aí, Sibarita! Vou dá palpites acerca da sua criação na arte de escrever em versos, manifestando a minha preferência pela temática social, e você ataca com um poema deste segmento. Contudo, não me arrependo nem um pouco, pois você produziu outra obra prima.
O impacto e a qualidade técnica do texto manifestam-se logo no primeiro verso:
"No céu pássaros agourentos sobrevoam o espaço..."
Não há como não continuar a leitura.
Tenho como norma ao escrever as minhas mal traçadas lá no condado, de tentar segurar o leitor a todo custo, logo nas quatro, cinco primeiras linhas. Contudo, você só precisou da primeira.
O canto/lamento do final, é uma preciosidade, além de ácido; e encerra o texto de forma brilhante.
Escrito com tinta à base de sangue de dagão, este poema tem o mesmo impacto de uma banda virtuosa de heavy metal tocando para metaleiros fanáticos; ou, a força do primeiro projétil que atinge o baluarte de uma fortaleza. É nitroglicerina pura.
Agradeço-lhe pela gentil dedicatória, não poderia desejar melhor presente.
Keep the beat!
Abraços!

Claudinha ੴ disse...

Olá amigo! Que belo trabalho! Instigado pelo nosso amigo Oliver pelo que pude ver, parece que sae superou! Matar muitos dragões por dia é luta, labuta corriqueira. A imagem de estrelas moribundas me enterneceu... Lindo, viu? Um beijo!

Fernando Ramos disse...

Sibarita, o que eu havia dito no poema anterior? Teu poema é tão triste, mas tão triste, que ficou esplêndido.

Acho que é o outro viés da famosa poesia/música de Tom Jobim...

É como terminou os versos, só rogando aos céus pra entender como pessoas vivem nesses palafitas, abaixo do nível de pobreza. Só rogando aos céus pra conseguirem matar um dragão por dia. Se bem que, não creio que eles pensem que adianat rogar, quiçá existir alguém no céus que olhe por eles.

Reflexivo teu poema, Sibarita, como sempre. E cabra, haja, palavra pra olhar no dicionário, visse? rs. Só não descobri o que é buçado, pois deve ser uma expressão regional.

Em tempo: o título me lembro uma música do Olodum na qual escutei toda minha adolescência.

Abraços!