quinta-feira, outubro 26, 2006

LUZ E FOGO

Luz e fogo

Por amor deste amor é a noite... qual o teu rosto?
Não sei! Nadja, Maria, Clarisse, Joana, Helena...
A quem, por meu destino e teu pecado exposto,
Que eu pague à estrela do mar teu céu fora de cena...

O amor é feito de claridade na água de bica em pedra.
Em tua pele eu escorro, é que sou todo uma nascente
Entre nuvens caindo da noite que no teu olhar medra
Quando tua pupila se dilata, gira e se apaga inocente.

Ah! Se o meu bem, se a minha alma em ti se esconde
Meu amor sempre te procura nos movimentos noturnos
E nem ao menos ao eco respondes! Onde estás? Aonde?

Não sei se te guardo ou se te perco na tua chama fria.
O meu amor é silêncio quando teu coração branqueia
E, sempre, luz e fogo perdidos em haustos de agonias...

O Sibarita

sábado, outubro 21, 2006

ELA... A LUA

Ela... A Lua

É sempre assim...
Na caída do dia
quando o pôr-do-sol
apaga os rastros da tarde
na preamar de Jauá.
O tempo
degela a noite
no celeste infindo
e repleta de luz
flameja a lua
tão clara
tão leve
tão nua
que a redondez sensual
flui toda volúpia
do cio aflorando
libidos
e fantasias
na grade da noite.

É sempre assim...
A lua solta,
Lasciva e o céu
Sacudindo em brilho.

Em êxtase
fervilho!

O Sibarita

domingo, outubro 15, 2006

VÔO

Vôo

Olhando o horizonte,
o caminho
acena por linhas,
disfarço...
Se no pôr-do-sol
bebo do teu vinho
cheio de presságios,
guio a linha, o fio...

faço, então, os traços
e, no azul crespo,
desfaço...

Mas,
se mudas
a cor do vinho,
refaço
e, nas tuas asas,
parto...

O Sibarita

quarta-feira, outubro 11, 2006

OBSESSÃO

Obsessão

Agora é tudo!
Mas, não me fale
das flores na beira
do túmulo...
Na luz da paixão
o amor fascina
e nega!
Porém, na curva
do teu olhar
te vejo nua
matando a flor
do amor que
se insinua.
Me diz então
Se o punhal
da agonia
virá em
algum dia?
É que olhando
o céu de Sofia
esta paixão
pode correr
a revelia...
No entanto,
ouvindo o teu canto
do meu sol desabado
o coração enlaçado
embarca na nau
dos desesperados
e acende o farol
dos naufragados...
Mas, não sei
se jogarás a bóia
dos afogados!

O Sibarita

domingo, outubro 08, 2006

PEGA-ME, SONETO

Pega-me

Pega-me sempre nas tuas mãos macias, pega-me
A lua e sempre ao derredor do nosso leito... Nua
Largada, cumprida a meia luz nos lençóis... Amada
Em frenesi orvalha a noite que sai do casulo e ri...

Pega-me na relva fina do teu púbis, oh, pega-me
Reinunda os desejos do céu que germino... unta
Anseios, peles e olor erguendo libidos... lampejos
Advindos, ápice, orgasmos, doçuras e gemidos...

Pega-me sempre no teu olhar em chamas, pega-me
Fala do amor a pura essência do teu seio... Afaga
Desejos antigos no céu e no luar dos teus beijos...

Pega-me sonhando no teu colo inefável, pega-me
Sublimo o teu ser nessa noite de colheitas... Rimo
Versos sorvendo do teu mel nos gozos ascéticos...

O Sibarita
Posted by Picasa

sexta-feira, outubro 06, 2006

ALAGADOS

Alagados

Aos meus amigos de Infância.
Em memória: Valtemir, Vando Bandolo, Gilson Caruru,
Toinho Magriça, Carlinhos Negão e Mario Nagô.

Estes versos
são memórias e sonhos
da maré como lembrança
nos desejos da infância
vivida nas palafitas...
De pés descalços
correndo pelas pontes,
catando raios de sol
nas asas de um beija-flor!
Meu coração tinha enredos:
melancolia e fantasias
palpitavam como folias
e desfilavam sem alegorias...

À noite,
os momentos eram
infinitos: um fifó aceso
espantando a escuridão,
gatos lânguidos esfomeados,
ratos correndo dos algozes
e tamancos rachados
fugindo da leptospirose...
O tempo à noite
sempre se estendia,
eu tentava empurrá-lo
com as mãos, pura agonia!
Ele teimava em desfilar
entre os dedos, lentamente...
Segundos, minutos, horas e dias,
parava o tempo!

Uma Ave Maria e um Pai Nosso
para amenizar o sofrimento!

Pela fresta,
via-se as últimas gotas
de estrelas trêmulas
circulando sobre tábuas
podres sobrepostas
e esqueletos de caibros
sob a lua que ludibriava os telhados...

O dia
florescia na enchente,
atiçada pela maré de março.
Em cada barraco, olhos velados
retiravam o que tinham
e o que não tinham, sufoco!
O povo dos alagados
recorria a todos os santos
sob a luz de um sol minguado...

Correi marezeiros!

Há nas pontes,
dependurados e sombreados,
desejos da vida, sangue em lágrimas,
trapos velhos e pinicos furados
rasgando o ventre dos sonhos,
agora, macerados!
Bocas de caranguejos, asas de morcegos
e nenhuma flor como desejo...

A maré cheia
nos convidava ao mergulho.
Crianças davam caídas,
era o prazer do corpo na água,
o debater de braços e pernas,
nadar! Ingenuidade da flor idade...
Na borda do prazer,
a cilada montava o cenário
entre estacas, lixos e galhos.
O perigo era fatal... Tarde demais!
No azul, um sol de tempestades.
A morte é crua, a felicidade é fugaz,
na adversidade mais um que se vai...
Erguia-se um silêncio!
Havia uma alma desesperada,
em fuga, pedia a extrema-unção.
A tarde uivava, a dor se curvava
e nenhum padre, nenhuma benção,
mas a noite te virá em orações!
Naqueles momentos,
a maré cumpria a sua sina.
Vestia-se de cinza
e nos desespero das lágrimas
uma garoa fina!

Mas, não sei, era paradoxal!
Pratos vazios, tripas em revoluções,
urubus, cachorros e ratos
lutavam por comidas no beira mangue...
Siris magros e mariscos aferventados,
crianças amareladas exangues.
O prato se repartia, mercúrio disputado,
enquanto, lombrigas faziam greve de fome!

Sob um céu de jade,
natal chegava
com luas estreladas!
Nos olhares, quanta alegria,
escondendo a dor, a melancolia...
Os barracos eram enfeitados,
nos pisos de tábuas carcomidas
a areia branca dava o toque mágico,
nos alagados, enfim, tinha vida!
Nos jarros de barro,
galhos de pitanga e espadas de Ogum,
folhas de arruda presas nas portas,
sal grosso nos telhados e alfazema
para espantar os maus-olhados,
gatos pretos ludibriados...
A noite era o olhar e viria em clarões!
Nas portas, nenhum tamanco, nenhum chinelo
e pela manhã, nem ao menos uma bola, uma boneca!
Papai Noel nunca vinha, disfarçava, enganava...

No fundo de nós,
uns olhos de tormentos
torturados por natais iguais,
à procura de manhãs desiguais!

Valei-nos, Jesus menino!
Lembrai dos vossos pequeninos,
em vossas mãos, os nossos destinos!

O Sibarita.
Posted by Picasa

terça-feira, outubro 03, 2006

JOÃO PALAFITAS

João Palafitas

Acordou, escovou
os dentes com carvão,
olhou a mesa, pratos vazios...
Ruminou com os olhos a fome.
Abriu a janela, viu
um sol nascente mirrado,
mas, que enche bocas vazias
dependurado nos caibros...
Rogou aos céus!
Passou pó de pemba no peito,
colocou o patuá no pescoço,
fechou o corpo!
Apanhou o gereré,
chamou por Ogum de Ronda
e desceu para a maré.
Foi mariscar...
Papa-fumo,
canivete e rala-coco.
Siris magros,
caranguejos e aratus.
Não acreditou no que viu!
Passou as mãos nos olhos,
viu a fonte do seu alimento,
sem ao menos lhe darem
outro meio de sustento
aterrada pelo lixo
da noite para o dia!
Chorou nas mãos
toda sua agonia...
Enquanto,
ratos, baratas e urubus
faziam a festa, sorriam!
Ainda restava
um pinico de maré,
não pensou duas vezes:
do gereré rasgado, deu-lhe algum nó,
pescando magros baiacus,
tinha ali o seu por do sol!
Subiu as pontes,
passou no cacete-armado
de Tonha de Zene,
deu uma para o Santo
e tomou três poca-olho.
Saiu mambembe,
revirando os olhos, zarolho!
Chegou ao barraco, sem tirar as tripas,
feliz, jogou na panela os baiacus,
danação de fome! Aferventados,
encheu o prato, agradecido,
fez os sinal da cruz!
Chamou para dentro o alimento,
enganou ali todo sofrimento...
Dormiu por um momento,
sonhou com uma vida melhor,
com a primeira namorada,
como seriam os filhos ali,
sem escolas, sem horizontes,
só lixos por todos os cantos.
Bateu escuridão! Acordou
com o serviço de alto falantes
São Lázaro tocando: eu não
tenho onde morar...
Deu caruara!
Correu para o pinico,
o corpo trêmulo, suava!
Ainda tomou um chá de velame
para rebater o veneno dos baiacus
que tinham lhe saciado a fome.
Deu vexame!
Colocaram o corpo moribundo
no carrinho de mão,
correram pelas pontes
em busca de socorro.
Tarde demais!
João, semi-inconsciente
pensou na maré e na infância.
Deu o último suspiro,
ficou tudo na lembrança...

Nos terreiros,
o silêncio dos atabaques!
Nos barracos pendurados
um céu cinza nos olhares...

Deus sabe!

O Sibarita