domingo, novembro 20, 2011

A REVOLTA DOS BÚZIOS (ALFAIATES) OU CONJURAÇÃO BAIANA de 1798

A REVOLTA DOS BÚZIOS (ALFAIATES) OU CONJURAÇÃO BAIANA de 1798

Caros leitores, a Bahia sempre esteve à frente de várias revoltas para Independência do Brasil e libertação dos negros. Neste 20 de novembro quando se comemora o dia da Consciência Negra, nada mais justo, do que reverenciarmos os mártires da Revolta dos Búzios ou Conjuração Baiana ocorrida em Salvador no dia 12 de agosto de 1798.

NR – É interessante que se leia o texto todo para que se saiba o desenrolar da revolta que infelizmente não é citada nas escolas fora da Bahia.

Manifesto da Conjuração Baiana (Reproduzido como no original de 1798)

Poderozo e Magnifico Povo Bahinense Republicano desta cidade da Bahia republicana considerando nos muitos e repetidos latrocínios feitos com os titulos de imposturas, tributos e direitos que são celebrados por ordem da Rainha de Lisboa, e no que respeita a inutilidade da escravidão do mesmo povo tão sagrado e Digno de ser livre, com respeito a liberdade e a igualdade ordena manda e quer que para o futuro seja feita nesta Cidade e seu termo a sua revolução para que seja exterminado para sempre o pecimo jugo ruinavel da Europa; segundo os juramentos celebrados por trezentos noventa e dous Dignissimos Deputados Reprezentantes da Nação em consulta individual de duzentos oitenta e quatro Entes que adoptão a total Liberdade Nacional; contida no geral receptaculo de seiscentos setenta e seis homens segundo o prelo acima referido. Portanto fas saber e da ao prelo que se axão as medidas tomadas para o socorro Estrangeiro, e progresso do Comercio de Açucar, Tabaco e pau brazil e todos os mais gêneros de negocio e mais viveres; com tanto que aqui virão todos os Estrangeiros tendo porto aberto, mormente a Nação Franceza, outro sim manda o Povo que seja punido com pena vil para sempre todo aquele Padre regular e não regular que no pulpito, confecionario, exortação, conversação, por qualquer forma, modo e maneira persuadir aos ignorantes, fanaticos e ipocritas; dizendo que he inutil a liberdade Popular; também será castigado todo aquele homem que cair na culpa dita não havendo isenção de qualidade para o castigo. Quer o Povo que todos os Membros militares de Linha, milicias e ordenanças; homens brancos, pardos e pretos, concorrão para a Liberdade Popular; manda o Povo que cada hum soldado perceba de soldo dous tustõens cada dia, além das suas vantagens que serão relevantes. Os oficiais terãoaumento de posto e soldo, segundo as Dietas: cada hum indagará quaes sejão os tiranos opostos a liberdade o estado livro do Povo para ser notado. Cada hum deputado exercerá os actos da igreja para notar qualquer seja o sacerdote contrario a liberdade. O Povo será livre do dispotismo do rei tirano, ficando cada hum sujeito as Leis do novo Codigo e reforma de formulário: será maldito da sociedade Nacional todo aquele ou aquela que for inconfidente a Liberdade coherente ao homem e mais agravante será a culpa havendo dolo ecleziastico; assim seja entendido alias....

NR. A reprodução deste documento é autorizada por lei federal.

Ao contrário da Inconfidência Mineira, a Revolta dos Búzios tinha como finalidade acabar com a escravidão e livrar o Brasil do julgo português. Os principais lideres foram enforcados em praça pública, esquartejados e partes dos seus corpos expostos em várias ruas de Salvador.
Os mártires: Luís Gonzaga das Virgens Veiga, João de Deus do Nascimento, Manuel Faustino dos Santos Lira e Lucas Dantas de Amorim Torres, por lei federal são considerados Heróis da Pátria.

Através de um Projeto de Lei (PL) do deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), os nomes dos principais líderes do movimento conhecido como Conjuração Baiana estarão inscritos no Livro dos Heróis da Pátria, publicação oficial que registra os grandes mártires do povo brasileiro e fica depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília. Os novos integrantes que participaram do levante também conhecido como Revolta dos Alfaiates, ou Revolta dos Búzios, são João de Deus, Lucas Dantas, Manuel Faustino e Luis das Virgens. “A luta dos que sonhavam com uma república de igualdade e com o fim da escravidão, no século 18, em Salvador, inspirados pela Revolução Francesa, recebe, com esta sanção da presidenta Dilma, uma demonstração de reconhecimento da sua importância para a nação. Esta Lei é mais uma vitória para o povo negro”, afirmou o parlamentar natural de Maragojipe. Luiz Alberto também explica que o PL foi sugestão do Grupo Cultural Olodum.

Luís Gonzaga das Virgens Veiga
Nasceu na cidade de Salvador, 1762, filho do alfaiate Joaquim da Costa Rubim e de Rita Gomes da Veiga, residia no Terreiro de Jesus. Solteiro, livre soldado do 2º Regimento de Linha e Soldado granadeiro do 1º Regimento de Linha, foi preso em 24 de agosto de 1798, julgado pelo Tribunal da Relação em 05 de novembro de 1799. Foi enforcado e esquartejado na Praça da Piedade em 08 de novembro de 1799, aos 36 anos.


João de Deus do Nascimento
Nasceu na Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, em 1771. Filho de José de Araújo e Francisca Maia, casado, era mestre alfaiate e cabo da esquadra do 2º regimento de milícia. Preso em 16 de setembro de 1798. Julgado pelo Tribunal da Relação em 05 de novembro de 1799. Foi enforcado e esquartejado na Praça da Piedade em 08 de novembro de 1799, aos 27 anos.

Manuel Faustino dos Santos Lira
Nasceu na divisa de Vila de Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro, em 1775, filho de Raimundo Ferreira e Felizarda - escrava do Padre Antônio Francisco de Pinto. Solteiro, escravo, alfaiate e marceneiro, foi preso em 16 de setembro de 1798. Julgado pelo Tribunal da Relação em 05 de novembro de 1799. Foi enforcado e esquartejado na Praça da Piedade em 08 de novembro de 1799, aos 22 anos.

Lucas Dantas de Amorim Torres
Nasceu na cidade do Salvador em 1774. Filho de Domingos da Costa e Vicência Maria, residente no Largo do Cruzeiro de São Francisco. Solteiro, escravo liberto, marceneiro e soldado do Regimento de Artilharia, foi preso em 09 de setembro de 1798, julgado pelo Tribunal da Relação em 05 de novembro de 1799. Foi enforcado e esquartejado na Praça da Piedade em 08 de novembro de 1799, aos 24 anos.

Fonte: Secretaria Municipal de Comunicação Social de Salvador

E o que foi a Revolta dos Búzios ou Conjuração Baiana?

INTRODUÇÃO
Em agosto de 1798 começam a aparecer nas portas de igrejas e casas da Bahia, panfletos que pregavam um levante geral e a instalação de um governo democrático, livre e independente do poder metropolitano. Os mesmos ideais de república, liberdade e igualdade que estiveram presentes na Inconfidência Mineira, agitavam agora a Bahia.

As inflamadas discussões na "Academia dos Renascidos" resultarão na Conjuração Baiana em 1789. Esse movimento, também chamado de Revolta dos Alfaiates foi uma conspiração de caráter emancipacionista, articulada por pequenos comerciantes e artesãos, destacando-se os alfaiates, além de soldados, religiosos, intelectuais, e setores populares.

Se a singularidade da Inconfidência de Tiradentes está em seu sentido pioneiro, já que apesar de todos seus limites, foi o primeiro movimento social de caráter republicano em nossa história, a Conjuração Baiana, mais ampla em sua composição social, apresenta o componente popular que irá direciona-la para uma proposta também mais ampla, incluindo a abolição da escravatura. Eis aí a singularidade da Conjuração Baiana, que também é pioneira, por apresentar pela primeira vez em nossa história elementos das camadas populares articulados para conquista de uma república abolicionista.

ANTECEDENTES
A segunda metade do século XVIII é marcada por profundas transformações na história, que assinalam a crise do Antigo Regime europeu e de seu desdobramento na América, o Antigo Sistema Colonial.

No Brasil, os princípios iluministas e a independência dos Estados Unidos, já tinham influenciado a Inconfidência Mineira em 1789. Os ideais de liberdade e igualdade se contrastavam com a precária condição de vida do povo, sendo que, a elevada carga tributária e a escassez de alimentos, tornavam ainda mais grave o quadro sócio-econômico do Brasil. Este contexto será responsável por uma série de motins e ações extremadas dos setores mais pobres da população baiana, que em 1797 promoveu vários saques em estabelecimentos comerciais portugueses de Salvador.

Nessa conjuntura de crise, foi fundada em Salvador a "Academia dos Renascidos", uma associação literária que discutia os ideais do iluminismo e os problemas sociais que afetavam a população. Essa associação tinha sido criada pela loja maçônica "Cavaleiros da Luz", da qual participavam nomes ilustres da região, como o doutor Cipriano Barata e o professor Francisco Muniz Barreto, entre outros.

A conspiração para o movimento, surgiu com as discussões promovidas pela Academia dos Renascidos e contou com a participação de pequenos comerciantes, soldados, artesãos, alfaiates, negros libertos e mulatos, caracterizando-se assim, como um dos primeiros movimentos populares da História do Brasil.

A participação popular e o objetivo de emancipar a colônia e abolir a escravidão marcam uma diferença qualitativa desse movimento em relação à Inconfidência Mineira, que marcada por uma composição social mais elitista, não se posicionou formalmente em relação ao escravismo.


A CONJURAÇÃO
Entre as lideranças do movimento, destacaram-se os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira (este com apenas 18 anos de idade), além dos soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga das Virgens, todos mulatos. Um outro destaque desse movimento foi a participação de mulheres negras, como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento.
As ruas de Salvador foram tomadas pelos revolucionários Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas que iniciaram a panfletagem como forma de obter mais apoio popular e incitar à rebelião. Os panfletos difundiam pequenos textos e palavras de ordem, com base naquilo que as autoridades coloniais chamavam de "abomináveis princípios franceses".

A Revolta dos Alfaiates foi fortemente influenciada pela fase popular da Revolução Francesa, quando os jacobinos liderados por Robespierre conseguiram, apesar da ditadura política, importantes avanços sociais em benefício das camadas populares, como o sufrágio universal, ensino gratuito e abolição da escravidão nas colônias francesas. Essas conquistas, principalmente essa última influenciaram outros movimentos de independência na América Latina, destacando-se a luta por uma República abolicionista no Haiti e em São Domingos, acompanhada de liberdade no comércio, do fim dos privilégios políticos e sociais, da punição aos membros do clero contrários à liberdade e do aumento do soldo dos militares.

A violenta repressão metropolitana conseguiu deter o movimento, que apenas iniciava-se, detendo e torturando os primeiros suspeitos. Governava a Bahia nessa época (1788-1801) D. Fernando José de Portugal e Castro, que encarregou o coronel Alexandre Teotônio de Souza de surpreender os revoltosos. Com as delações, os principais líderes foram presos e o movimento, que não chegou a se concretizar, foi totalmente desarticulado.
Após o processo de julgamento, os mais pobres como Manuel Faustino dos Santos Lira e João de Deus do Nascimento e os mulatos Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas foram condenados à morte por enforcamento, sendo executados no Largo da Piedade a 8 de novembro de 1799. Outros, como Cipriano Barata, o tenente Hernógenes d’Aguilar e o professor Francisco Moniz foram absolvidos. Os pobres Inácio da Silva Pimentel, Romão Pinheiro, José Félix, Inácio Pires, Manuel José e Luiz de França Pires, foram acusados de envolvimento "grave", recebendo pena de prisão perpétua ou degredo na África.

Já os elementos pertencentes à loja maçônica "Cavaleiros da Luz" foram absolvidos deixando clara que a pena pela condenação, correspondia à condição sócio-econômica e à origem racial dos condenados. A extrema dureza na condenação aos mais pobres, que eram negros e mulatos, é atribuída ao temor de que se repetissem no Brasil as rebeliões de negros e mulatos que, na mesma época, atingiam as Antilhas.

O exemplo destes mártires foi fundamental para futuras insurreições baianas, Inclusive na Revolta dos Malês, em 1835.

4 comentários:

Desnuda disse...

Querido Sibarita,

Esperava ansiosa por um post seu a respeito. A riqueza do post, que guardarei ,superou as minhas expectativas pela abrangência do tema e de informações. Excelente resumo histórico e presente nas pendências atuais: “grave o quadro sócio-econômico do Brasil.”. Este quadro que perdura até os dias de hoje, infelizmente, e que justamente por isso devemos ter a consciência do dever desta reflexão dentro do contexto sócio-econômico e uma política voltada às prioridades de um país mais igualitário e fortalecido sócio econômicamente. Não se discute apenas o racismo em si, mas toda a abrangência deste cancro na sociedade que enfraquece e obsta a evolução de uma Nação. Pela internete , este foi o primeiro post a respeito que li ( dos blogs que conheço). Através de algumas redes sociais que uso, coloquei alguns vídeos e poemas. Acho que não estão refletindo sobre o valor e a necessidade da observância de aspectos fundamentais para uma evolução da sociedade e, consequentemente da Nação na verdadeira acepção da palavra.


Muito obrigada. Beijos com carinho

Lúcia Laborda disse...

Siba; um fato histórico importante. Gostei muito da riqueza de detalhes, com que passou.
Belo post!
Boa semana!Beijos

Cris Teles disse...

Parabéns pelo belo texto. Infelizmente isso não é divulgado mesmo em outros estados e merece todo nosso respeito!! Vc é demais!! Beijos

Anônimo disse...

Sibarita!
Um fato historico que muita gente não conhecia ou queria desconhecer.
Isso merece todos os respeitos possiveis, teria que ser divulgado a nivel nacional.
Beijos mil de paz.
Regina coeli