Macota Valdina
Não sou descendente
De escravos. Eu descendo
De seres humanos
que foram
escravizados!
Makota Valdina Pinto
Valdina
Pinto de Oliveira nasceu em 15 de outubro de 1943 no bairro do Engenho Velho da
Federação, na cidade de Salvador, Bahia. Sempre morou neste bairro que é, ainda
hoje, um local onde a maioria da população é negra, e onde a presença de
comunidades de terreiro de Candomblé é marcante.
Desde a juventude, Valdina Pinto esteve
envolvida com ações sociais na sua comunidade, acompanhando seu pai, Paulo de
Oliveira Pinto – Mestre Paulo – ou sua mãe, Eneclides de Oliveira Pinto, mais
conhecida como D. Neca, que foi líder comunitária e primeira referência
política da filha.
Da adolescência à fase adulta, junto com a sua
família, com a Associação de Moradores e com a Igreja Católica do Bairro,
Valdina Pinto desenvolve diversas atividades assistenciais à população, logo se
concentrando na alfabetização de adultos como principal área de trabalho.
Quando vem a se formar pelo antigo Instituto Educacional Isaías Alves (IEIA),
atual ICEIA, em 1962, já era uma educadora atuante e conhecida na própria
comunidade. Ensinou na sede da Associação de Moradores, ensinou em barracão de
terreiro de candomblé, ensinou em escolas, e até na própria casa. Por seu
trabalho educacional na comunidade, é convidada pelo Corpo da Paz para lecionar
Português nas Ilhas Virgens a um grupo de estrangeiros que viria ao Brasil – e
aqui começa a desenvolver a noção do valor que suas referências
étnico-culturais têm para fora da comunidade em que vive. Como professora do
ensino fundamental do município de Salvador, Valdina Oliveira Pinto se aposenta
no final da década de 80, A sina de ser quem dá a lição continuará acompanhando
a sua trajetória.
No início da década de 70, Valdina abandona o
catolicismo, e em 1975, é iniciada na religião do Candomblé. No Terreiro Tanuri
Junsara, liderado pela Sra. Elizabeth Santos da ‑
Hora, ela é confirmada para o cargo de Makota
– assessora da Nengwa Nkisi (Mãe-de-Santo). Com a iniciação, recebe seu nome de
origem africana, tornando-se a Makota ZIMEWAANGA.
A iniciação numa religião de matriz africana
impõe a Valdina Pinto uma re-visão da sua história e da cultura na qual havia
sido criada. Todo um conjunto de práticas cotidianas vivenciadas por ela desde
a infância no gueto negro do Engenho Velho da Federação passa a adquirir novos
significados, importância e sentidos a partir das lições aprendidas no terreiro
de candomblé.
Entre 1977 e 1978, Valdina Pinto integra a
primeira turma do Curso de Iniciação à Língua Kikongo, ministrado pelo congolês
Nlaando Lando Ntotila no Centro de Estudos Afro-Oriental (CEAO), marcando uma
nova etapa no aprofundamento dos seus estudos sobre as culturas de origem bantu
no Brasil – sobretudo nos aspectos religiosos. A valorização das
especificidades da nação de candomblé angola-congo, de matriz bantu, tem sido
uma das marcas da trajetória de Valdina Pinto que, por isso, passa a ser
conhecida como Makota Valdina.
Outro pensamento da Makota Valdina é de que a
comunidade de terreiro não deve fechar-se em si mesma, buscando, ao contrário,
relacionar-se com os organismos políticos e sociais externos que sejam
necessários à manutenção e consolidação das tradições vivenciadas no terreiro –
tradições que, por outro lado, ela defende que sejam, estas sim, resguardadas
exclusivamente ao contexto religioso de quem as pratica. Vale ressaltar que,
ainda em tempos de ditadura política no Brasil, a Makota Valdina tornou-se a
primeira mulher a presidir a Associação de Moradores do seu Bairro, enfrentando
preconceitos políticos e de gênero, dada a suas inclinações oposicionistas e ao
fato mesmo de estar numa função até então ocupada por homens.
Estas compreensões - que estão na base da sua
formação – levaram-na a compor, durante alguns anos, a diretoria da Federação
Baiana de Culto Afro Brasileiro (FEBACAB), atual FENACAB. Nesse período, seu respeito
e preocupação com as tradições do Candomblé, independente da nação, tornaram-na
mais conhecida e considerada junto aos praticantes do ‑
candomblé. Antes de terminar sua gestão,
filia-se às lutas em defesa do Parque São Bartolomeu, um antigo santuário
natural do povo-de-santo de Salvador. O Parque, uma extensa reserva urbana da
Mata Atlântica, definhava ante a depredação por parte das pessoas e o silêncio
dos poderes públicos. Com outras educadoras, a Makota Valdina desenvolve
programas de educação ambiental, destacando a perspectiva religiosa acerca da
natureza – “A natureza é a essência do candomblé”, ensinava. Desta luta surgiu
o Centro de Educação Ambiental São Bartolomeu (CEASB), onde foi educadora e
conselheira. Um outro trabalho importante do qual esteve à frente foi a
catalogação e plantio de ervas medicinais em áreas do entorno do Parque São
Bartolomeu, no subúrbio de Salvador.
Perifraseando-a, podemos dizer que “o
candomblé é a essência da Makota Valdina”. Fincada nestas tradições religiosas,
ela tornou-se um instrumento de expressão da sabedoria popular baiana,
brasileira, de base africana. Como é próprio de uma visão de mundo dessa
origem, os conhecimentos e habilidades da Makota Valdina - o seu savoir-faire -
se articulam e interagem constantemente, e não se estancam, ou se resumem a uma
determinada dimensão do saber. Nela, reflexões filosóficas acerca da cosmogonia
do Candomblé, mais especificamente os de origem bantu, coabitam com um apurado
senso estético na execução de danças, ou confecção de artesanatos rituais; ao
domínio da culinária, ou do uso de ervas, une-se um repertório de cantigas
sagradas de rara extensão.
Em Fevereiro 2003, a Makota Valdina foi a
porta-voz das religiões de matriz africana de Salvador num encontro com o então
recém empossado Ministro da Cultura, Gilberto Passos Gil Moreira, como também
foi uma das representantes do Movimento Contra a Intolerância Religiosa em
Brasília, em março do mesmo ano, sentando-se à mesa da Câmara dos Deputados, na
histórica sessão presidida pelo Deputado Federal Luiz Alberto.
Com a sua palavra calma e firme, que ilumina,
com a sua indignação veemente que entusiasma, a Makota Valdina tem
impressionado inúmeras platéias nas conferências e palestras que realiza no
Brasil ou no exterior. Mas, como faz questão de frisar, no cotidiano das suas
relações num terreiro de candomblé, está o seu local predileto de ensino e
aprendizagem.
‑
Diversas são as instituições que a tem como
conselheira, ou ‘madrinha’, como é o caso da Associação de Preservação e Defesa
do Patrimônio Bantu (ACBANTU). Noutros casos, é o próprio nome que empresta à
causa da luta contra o racismo, como ao Grupo de Estudantes Universitários
Makota Valdina.
Valdina Pinto já recebeu diversas
condecorações por seu papel na preservação do patrimônio cultural
afro-brasileiro, como o Troféu Clementina de Jesus, da União de Negros Pela
Igualdade (UNEGRO). Troféu Ujaama, do Grupo Cultural Olodum, em Agosto/2004,
recebeu a Medalha Maria Quitéria, a maior honraria da Câmara Municipal de
Salvador, em dezembro de 2005 recebeu da Fundação Gregório de Mattos o Troféu
de Mestra Popular do Saber.
Valdina Oliveira Pinto, a Makota Zimewaanga, a
Makota Valdina é, atualmente, a conselheira ‘mor’ da Cidade de Salvador,
convidada a avaliar e avalizar plataformas de governo, campanhas eleitorais e
mandatos parlamentares, ou ONG’s e eventos em defesa das tradições de origem
africana e do Meio Ambiente. É também Chamada a orientar grupos do Movimento
Negro e a sistematizar propostas educacionais que dêem conta da diversidade
cultural da cidade. Enfim, tornou-se presença quase obrigatória nos principais
debates sobre os rumos da sociedade e, sobretudo, nos espaços reservados do
sagrado, onde só têm acesso livre aquelas que se tornaram uma mais velha e
trazem no corpo, no conhecimento e nos próprios sentimentos marcas ancestrais.
Lande M. M. Onawale
Escritor, poeta e Taata Xicarangoma do Terreiro
Tanuri Junsara
Assista ao vídeo sobre a Makota Valdina
Desligue a Rádio Humaitá ao lado!
5 comentários:
Gostei muito de conhecer a História de Valdina Pinto e do vídeo !
Parabéns por estar sempre lembrando a temática negra. Ainda há muito para ser dito.
Abraços
Kátia
Que grande guerreira hein. E por sinal muito sábia!
Aqui sempre uma ótima postagem. Desde poemas incríveis a grandes informações. E com muita honra de ser tua leitora, tiro o meu chapéu pra ti.
Ps. Voltei seu moço. Até que enfim né não?!rs
Como é bom ver esses exemplos de gente em nossa nação. Gente de verdade, de alma íntegra, que lutou e luta com garra, ética e dignidade. Precisamos destes heróis e heroínas para nos lembrar que é possível, sim, ser íntegro no país dos pilantras...
Um grande abraço!
Bíndi & Ghost
Hey esse menino!Que beleza este texto.
Mainha conheceu e participou de uma bancada de palestrantes falando sobre o papel do negro na sociedade,onde esta Senhora era a homenageada do evento.
Eu demorei a voltar foi?...huuumm são tantas coisas...
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