Maria
Zeferina (Líder da Revolta do Quilombo do Urubu, em 1826)
Caro
leitor, 25 de julho não é uma data qualquer! É um dia especial para as mulheres
negras em pelo menos 100 países dentre os quais o Brasil. Desde 25 de julho de
1992 é celebrado O Dia Internacional da Mulher Afro Latina Caribenha. A data
foi criada porque a até então as mulheres negras não tinham visibilidade, eram invisíveis
aos olhos da sociedade. A data serviu de resgate, de autoestima e de provocar e
estimular pelo mundo a fora um debate sobre as condições de vida dessas
valorosas mulheres.
São
tantas negras em destaque pelo mundo que não caberia aqui neste pequeno texto.
Decidi então citar cinco da época da
escravidão. Espero que o leitor leia tudo e se emocione com história por traz de cada uma delas!
A CADA DOIS DIAS, A PARTIR DE HOJE, ESCREVO SOBRE UMA NEGRA NUM TOTAL DE CINCO.
Hoje, falaremos sobre a baiana Negra Zeferino, pouca conhecida dos brasileiros mais de um papel fundamental contra a escravidão.
NEGRA ZEFERINO A RAINHA DO QUILOMBO DO URUBU
O Quilombo do Urubu que foi combatido no século XIX,
de acordo com a historiografia oficial, compreende hoje a região do Parque São
Bartolomeu e o bairro de Pirajá, teve uma importante personagem feminina da
história das insurreições negras na Bahia, pouco mencionada na literatura brasileira, ou seja, ainda desconhecida por jovens e adultos, que é a Negra Zeferina. Buscando os
documentos oficiais sobre o referido quilombo, encontramos em Pedreira a
transcrição de uma carta, datada de 17 de dezembro de 1826, em que o comandante
da tropa encarregada da destruição do levante, José Baltazar da Silveira,
escreve ao Chefe de Polícia:
Participo que marchando da Cidade às 10 horas da
manhã do dia como me foi por V. Sa. ordenado, com doze soldados e um cabo, para
o Cabula e chegando a Estrada do 1.º lugar tive noticia que os negros estavam
reunidos em um lugar denominado – Urubu – número pouco mais ou menos de
cinquenta, e também algumas Negras e procurando para ver se descobria encontrei
com um Capitão de Assaltos, e mais dois Crioulos gravemente feridos, ai soube
terem sido aqueles ferimentos pelos negros que se achavam alevantados
(PEDREIRA, 1973, p. 141)
A localização geográfica do Quilombo do Urubu, era
um fator que, obviamente, dificultava o acesso por parte dos Chefes de Polícia
e suas tropas, visto que estava bem afastado do litoral da cidade, onde estavam
concentrados o comércio e as sedes oficiais do governo. Importante ressaltar
que a tropa marchava para o Cabula, ou seja, ainda havia forte repressão nesta
localidade, a fim de que não se organizassem novos levantes e quilombos, afinal
em 1807 foi combatido o Quilombo Cabula. Na referida carta, o comandante da
tropa cita a Negra Zeferina:
[...] foi-me necessário mandar fazer fogo, com o que
consegui desperçarem-se, e indo em alcance prendi a Negra Zeferina, a qual se
achava com arco e flexa na mão, e achei três negros mortos e uma negra, e
alguns sacos de farinha e bolacha, e como já fosse noite e eu não tivesse
certeza onde se achasse os despersados negros por que todos tinham fugido
deixei perto do referido lugar o mencionado Sgto. e Soldados de Pirajá, para
observar qualquer movimento que houvesse, retirando-me as sete horas da noite a
dar parte a Vs. Sa do acontecido e entregando neste Quartel a preta apreendida
com o arco e flexa que lhe foram achados (PEDREIRA, 1973, p. 141).
Provavelmente Zeferina foi enviada ao Forte do Mar,
lugar onde eram presos todos os quilombolas. Cogitou-se que a insurreição seria
deflagrada na noite do dia 18 de dezembro de 1826, contudo, em depoimento
Zeferina confirma que seria no Natal.
O centro diretor do movimento era em uma Casa de
Candomblé, chamada de “casa fetiche” por Nina Rodrigues, conforme apresentado
abaixo:
Nas matas do Urubu em Pirajá, tinham-se constituído
um quilombo, que se mantinha com o auxílio de uma casa fetiche da vizinhança.
No dia 17 dezembro de 1826, alguns indivíduos, naturalmente capitães-do-mato, propuseram-se
a ir prender os negros fugidos, na suposição de que fossem em número muito
reduzido. Opuseram-se, porém, os negros séria resistência: mataram três e
feriram gravemente o quarto. Excitados com aquele sucesso, atacaram diversas
pessoas a caminho do Cabula, deixando em estado grave uma mulatinha, um
capitão-do-mato e outras pessoas. Na tarde do mesmo dia, 20 praças do batalhão
de Pirajá seguiram a batê-los, reunindo-se a 12 praças que marcharam desta
cidade, sob o comando de um oficial. Deu-se o encontro na baixa do Urubu. Os
negros foram cercados em uma pequena mata; segundo a parte oficial,
recusaram-se a entregar-se, atacando a tropa, que fez fogo sobre eles, matando
três e ferindo outros. Nessa ocasião foi presa a negra Zeferina com armas na mão,
diz a parte oficial; apenas conduzindo um pequeno saco de farinha, afirmam
diversas testemunhas. Essa negra declarou que os negros se tinham levantado
contando com a insurreição dos nagôs da cidade, sobre o qual deviam marchar na
véspera de Natal (NINA RODRIGUES, 2008, p. 54-55).
Reis (2003) informa que a Casa de Candomblé
pertencia a um pardo chamado Antonio, que poderia ser somente o dono da casa
onde funcionava o Terreiro, contudo o mesmo tem relação com a revolta e o
quilombo, afinal ambos, Zeferina e Antonio, foram os únicos punidos pelo
levante, como descreve Reis:
contudo, mesmo que o candomblé não participasse de
forma direta da organização da revolta, escravos e libertos que o frequentavam
provavelmente o fizeram, confiantes talvez da proteção das divindades que
porventura ali tivessem assento. Seja como for, o pardo Antonio foi considerado
culpado pelas autoridades baianas. Ele e a africana Zeferina foram os únicos a
receber uma sentença regular, de prisão com trabalho (REIS, 2003, p. 104)
Atualmente estima-se que existem em torno 78
Terreiros de Candomblé nesta localidade. Reis (2003)
traz a justificativa do nome do quilombo, e sua relação com a religião, pois os
urubus comiam as oferendas de animais e outros alimentos, feitas às divindades.
Cabem aqui as palavras de Oliveira:
as representações coletivas, os símbolos culturais
de um grupo, não subsistem sem estruturas sociais que as recebam e sustentem.
Isso não significa, entretanto, que são essas estruturas que criam as
representações coletivas. Ao contrário, ao menos no caso dos candomblés, foram
os valores culturais que “secretaram” as novas estruturas sociais. [...] As
religiões em geral, e o candomblé em particular, são “coisas vivas”. Elas não
são apenas mantenedoras de valores tradicionais, mas também geradoras de
valores novos que retroalimentarão a memória coletiva, criando-se um círculo de
conservação e atualização de tradições vigoroso e coerente, ao mesmo tempo
tradicional e moderno. (OLIVEIRA, 2007, p. 120).
Esta afirmação é pertinente, visto que o citado Parque São Bartolomeu, região de combate
do então Quilombo do Urubu, se constitui enquanto um espaço sacralizado pelas
religiões afrobrasileiras com as práticas de rituais que ali acontecem. Como
nos apresenta Santos, et. al.:
[...]
esse Parque possui áreas sagradas para o Povo de Santo (Candomblé e outros
cultos), como as nascentes e cascatas de Nanã, Oxum, a nascente e a queda
d’água de Oxumaré e as rochas da Pedra do Tempo e Pedra de Omolú (SANTOS ET.
AL., 2010, p. 281-282).
O Parque
São Bartolomeu (75ha) faz parte do Parque Metropolitano de Pirajá que possui
uma área de 1.550 hectares, e é uma das últimas áreas verdes da cidade, o que
confirma que os rituais do candomblé e das religiões afrobrasileiras em geral
conservam as áreas verdes das cidades. Contudo, atualmente essas práticas
acontecem em menor frequência em São Bartolomeu, devido ao descaso do poder
público local em reconhecê-lo como patrimônio imaterial (um desejo da
comunidade local), o que fez com que o abandono, a violência e a insegurança
prevalecessem, inclusive, o Parque é usado para “desova” de corpos.
Retornando ao Quilombo Urubu, Reis afirma que “o
grito de guerra ‘morra branco e viva negro’ cobriu Urubu naquele dia” (Reis,
2003, p. 101), e a Negra Zeferina teve papel de liderança neste levante:
o presidente da província, num elogio involuntário,
referiu-se a ela como “rainha”, título que deve ter ouvido dizer que ela
carregava entre os rebeldes. Zeferina mais tarde declarou que seus súditos
esperavam a chegada de muitos escravos de Salvador, na véspera de Natal,
ocasião em que planejavam invadir a capital para matar os brancos e conseguir a
liberdade. Ela também revelou que a maioria deles eram nagôs, tanto escravos
como libertos. Neste caso, um candomblé existente nas matas de urubu era
provavelmente nagô (REIS, 2003, p. 103).
Importante destacar que em uma das principais
Províncias do Império, se configuravam vários levantes contra o sistema
escravocrata, com destaque para essa Negra Africana chamada Zeferina que
liderou um movimento em busca de liberdade, porém pouco conhecida e mencionada
em nossas salas de aula e em nossos livros de história, mesmo após a Lei
10.639. Contudo, é importante asseverar que a circular nº 29 do Ministério da
Fazenda, de 13 de maio de 1891, autorizou a queima de arquivos referentes ao
período escravocrata, através do decreto feito pelo então Ministro da Fazenda,
Rui Barbosa, em 14 de dezembro de 1890. Em vista disto, podemos imaginar os
inúmeros documentos que foram apagados da nossa história, entretanto, as
pesquisas de Moura, Pedreira, Reis, entre tantas outras, revelaram “[...] a
verdade histórica a que nenhum povo pode se furtar e não se deve procurar
iludir”, como ironicamente afirma Nina Rodrigues (2008, p. 35).
Desta forma, precisamos lutar por uma justiça
cognitiva, afinal as experiências sociais nos Terreiros de Candomblé, nas
comunidades Quilombolas e nos Quilombos Urbanos, na Capoeira, nos Blocos Afros,
dentre outros espaços, são produtores de conhecimento. A população negra
tem direito à educação, e tem o direito de ter seus saberes reconhecidos,
visibilizados, visto que a ciência só reconhece o que é quantificável e
mensurável, portanto os saberes populares são silenciados. Contudo devem ser
tratados com a mesma excelência que os saberes científicos, ou seja, os mestres
da nossa cultura popular devem ter espaço aberto nas escolas e nas universidades,
para trabalharem com os alunos a construção de outras epistemologias, e
trazerem os verdadeiros nomes da nossa história, como Zeferina, Beiru, dentre
tantos outros.
REFERÊNCIAS
MOURA, Clóvis. Rebeliões
da Senzala, SP: Edições Zumbi, 1959.
________, Clóvis. Os
Quilombos e a Rebelião Negra, SP: Editora Brasiliense, 1981.
________, Clóvis. Quilombos:
Resistência ao Escravismo, SP: Editora Ática, 1987.
NINA RODRIGUES,
Raymundo. Os africanos no Brasil. Salvador: Madras, 2008.
OLIVEIRA, Eduardo
David de. A ancestralidade na encruzilhada. Curitiba: Editora Gráfica
Popular, 2007.
______, Eduardo
David. Filosofia da ancestralidade: corpo de mito na filosofia da
educação brasileira. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2007.
PEDREIRA, Pedro
Tomas. Os Quilombos Brasileiros. BA: Departamento de Cultura da SMEC,
Prefeitura Municipal de Salvador, 1973.
REIS, João José;
GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Liberdade por um fio: história dos
quilombos no Brasil. SP: Companhia das Letras, 1996.
SANTOS, Elisabete.
et.al. O Caminho das Águas em Salvador: Bacias Hidrográficas, Bairros e
Fontes. Salvador: CIAGS/UFBA; SEMA, 2010. 486p. :il.; .- (Coleção Gestão
Social)
HUMAITÁ WEB RÁDIO, A
RÁDIO, O SOM!
www.radiohumaita.com.br
4 comentários:
...cada povo tem a sua história que deve ser preservada,
porque são vidas que se fizeram presentes e entre estas
existem aquelas que vieram para deixar marcas mesmo que
para isso tenham sofrido na carne as dores de uma
uma luta, crença, ou ideologias!
aprendo tanto contigo, moço Sibarita!
smacksss, alma linda!
Maria Zeferina uma das muitas heroínas anônimas que através do Sibarita estamos tendo oportunidade de conhecer e que merece nossa admiração.Tanta luta desigual e injusta. Como diz Humaitá, realmente O Sibarita é Cultura. Rsrsrs. Bjos Nel
Essas mulheres realmente merecem um destaque especial, pois foram guerreiras num tempo onde era ainda mais difícil uma mulher impor-se, tornar-se líder, ser respeitada...
Um viva a todas as deusas de ébano.
Feliz final de semana!
Bíndi e Ghost
Tanta história,tantas vidas!Pessoas marcantes por suas trajetórias e haja história!Parabéns e obrigada pela partilha tão rica!
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