sábado, julho 25, 2015

O DIA INTERNACIONAL DA MULHER AFRO LATINA CARIBENHA

 Maria Zeferina (Líder da Revolta do Quilombo do Urubu, em 1826)

Caro leitor, 25 de julho não é uma data qualquer! É um dia especial para as mulheres negras em pelo menos 100 países dentre os quais o Brasil. Desde 25 de julho de 1992 é celebrado O Dia Internacional da Mulher Afro Latina Caribenha. A data foi criada porque a até então as mulheres negras não tinham visibilidade, eram invisíveis aos olhos da sociedade. A data serviu de resgate, de autoestima e de provocar e estimular pelo mundo a fora um debate sobre as condições de vida dessas valorosas mulheres. 

São tantas negras em destaque pelo mundo que não caberia aqui neste pequeno texto.
Decidi então citar cinco da época da escravidão. Espero que o leitor leia tudo e se emocione com história por traz de cada uma delas!

A CADA DOIS DIAS, A PARTIR DE HOJE, ESCREVO SOBRE UMA NEGRA NUM TOTAL DE CINCO.

Hoje, falaremos sobre a baiana Negra Zeferino, pouca conhecida dos brasileiros mais de um papel fundamental contra a escravidão.

NEGRA ZEFERINO A RAINHA DO QUILOMBO DO URUBU

O Quilombo do Urubu que foi combatido no século XIX, de acordo com a historiografia oficial, compreende hoje a região do Parque São Bartolomeu e o bairro de Pirajá, teve uma importante personagem feminina da história das insurreições negras na Bahia, pouco mencionada na literatura brasileira, ou seja, ainda desconhecida por jovens e adultos, que é a Negra Zeferina. Buscando os documentos oficiais sobre o referido quilombo, encontramos em Pedreira a transcrição de uma carta, datada de 17 de dezembro de 1826, em que o comandante da tropa encarregada da destruição do levante, José Baltazar da Silveira, escreve ao Chefe de Polícia:
Participo que marchando da Cidade às 10 horas da manhã do dia como me foi por V. Sa. ordenado, com doze soldados e um cabo, para o Cabula e chegando a Estrada do 1.º lugar tive noticia que os negros estavam reunidos em um lugar denominado – Urubu – número pouco mais ou menos de cinquenta, e também algumas Negras e procurando para ver se descobria encontrei com um Capitão de Assaltos, e mais dois Crioulos gravemente feridos, ai soube terem sido aqueles ferimentos pelos negros que se achavam alevantados (PEDREIRA, 1973, p. 141)

A localização geográfica do Quilombo do Urubu, era um fator que, obviamente, dificultava o acesso por parte dos Chefes de Polícia e suas tropas, visto que estava bem afastado do litoral da cidade, onde estavam concentrados o comércio e as sedes oficiais do governo. Importante ressaltar que a tropa marchava para o Cabula, ou seja, ainda havia forte repressão nesta localidade, a fim de que não se organizassem novos levantes e quilombos, afinal em 1807 foi combatido o Quilombo Cabula. Na referida carta, o comandante da tropa cita a Negra Zeferina:

[...] foi-me necessário mandar fazer fogo, com o que consegui desperçarem-se, e indo em alcance prendi a Negra Zeferina, a qual se achava com arco e flexa na mão, e achei três negros mortos e uma negra, e alguns sacos de farinha e bolacha, e como já fosse noite e eu não tivesse certeza onde se achasse os despersados negros por que todos tinham fugido deixei perto do referido lugar o mencionado Sgto. e Soldados de Pirajá, para observar qualquer movimento que houvesse, retirando-me as sete horas da noite a dar parte a Vs. Sa do acontecido e entregando neste Quartel a preta apreendida com o arco e flexa que lhe foram achados (PEDREIRA, 1973, p. 141).

Provavelmente Zeferina foi enviada ao Forte do Mar, lugar onde eram presos todos os quilombolas. Cogitou-se que a insurreição seria deflagrada na noite do dia 18 de dezembro de 1826, contudo, em depoimento Zeferina confirma que seria no Natal.
O centro diretor do movimento era em uma Casa de Candomblé, chamada de “casa fetiche” por Nina Rodrigues, conforme apresentado abaixo:
Nas matas do Urubu em Pirajá, tinham-se constituído um quilombo, que se mantinha com o auxílio de uma casa fetiche da vizinhança. No dia 17 dezembro de 1826, alguns indivíduos, naturalmente capitães-do-mato, propuseram-se a ir prender os negros fugidos, na suposição de que fossem em número muito reduzido. Opuseram-se, porém, os negros séria resistência: mataram três e feriram gravemente o quarto. Excitados com aquele sucesso, atacaram diversas pessoas a caminho do Cabula, deixando em estado grave uma mulatinha, um capitão-do-mato e outras pessoas. Na tarde do mesmo dia, 20 praças do batalhão de Pirajá seguiram a batê-los, reunindo-se a 12 praças que marcharam desta cidade, sob o comando de um oficial. Deu-se o encontro na baixa do Urubu. Os negros foram cercados em uma pequena mata; segundo a parte oficial, recusaram-se a entregar-se, atacando a tropa, que fez fogo sobre eles, matando três e ferindo outros. Nessa ocasião foi presa a negra Zeferina com armas na mão, diz a parte oficial; apenas conduzindo um pequeno saco de farinha, afirmam diversas testemunhas. Essa negra declarou que os negros se tinham levantado contando com a insurreição dos nagôs da cidade, sobre o qual deviam marchar na véspera de Natal (NINA RODRIGUES, 2008, p. 54-55).

Reis (2003) informa que a Casa de Candomblé pertencia a um pardo chamado Antonio, que poderia ser somente o dono da casa onde funcionava o Terreiro, contudo o mesmo tem relação com a revolta e o quilombo, afinal ambos, Zeferina e Antonio, foram os únicos punidos pelo levante, como descreve Reis:
contudo, mesmo que o candomblé não participasse de forma direta da organização da revolta, escravos e libertos que o frequentavam provavelmente o fizeram, confiantes talvez da proteção das divindades que porventura ali tivessem assento. Seja como for, o pardo Antonio foi considerado culpado pelas autoridades baianas. Ele e a africana Zeferina foram os únicos a receber uma sentença regular, de prisão com trabalho (REIS, 2003, p. 104)

Atualmente estima-se que existem em torno 78 Terreiros de Candomblé nesta localidade. Reis (2003) traz a justificativa do nome do quilombo, e sua relação com a religião, pois os urubus comiam as oferendas de animais e outros alimentos, feitas às divindades. Cabem aqui as palavras de Oliveira:
as representações coletivas, os símbolos culturais de um grupo, não subsistem sem estruturas sociais que as recebam e sustentem. Isso não significa, entretanto, que são essas estruturas que criam as representações coletivas. Ao contrário, ao menos no caso dos candomblés, foram os valores culturais que “secretaram” as novas estruturas sociais. [...] As religiões em geral, e o candomblé em particular, são “coisas vivas”. Elas não são apenas mantenedoras de valores tradicionais, mas também geradoras de valores novos que retroalimentarão a memória coletiva, criando-se um círculo de conservação e atualização de tradições vigoroso e coerente, ao mesmo tempo tradicional e moderno. (OLIVEIRA, 2007, p. 120).

Esta afirmação é pertinente, visto que o citado Parque São Bartolomeu, região de combate do então Quilombo do Urubu, se constitui enquanto um espaço sacralizado pelas religiões afrobrasileiras com as práticas de rituais que ali acontecem. Como nos apresenta Santos, et. al.:
[...] esse Parque possui áreas sagradas para o Povo de Santo (Candomblé e outros cultos), como as nascentes e cascatas de Nanã, Oxum, a nascente e a queda d’água de Oxumaré e as rochas da Pedra do Tempo e Pedra de Omolú (SANTOS ET. AL., 2010, p. 281-282).

O Parque São Bartolomeu (75ha) faz parte do Parque Metropolitano de Pirajá que possui uma área de 1.550 hectares, e é uma das últimas áreas verdes da cidade, o que confirma que os rituais do candomblé e das religiões afrobrasileiras em geral conservam as áreas verdes das cidades. Contudo, atualmente essas práticas acontecem em menor frequência em São Bartolomeu, devido ao descaso do poder público local em reconhecê-lo como patrimônio imaterial (um desejo da comunidade local), o que fez com que o abandono, a violência e a insegurança prevalecessem, inclusive, o Parque é usado para “desova” de corpos.
Retornando ao Quilombo Urubu, Reis afirma que “o grito de guerra ‘morra branco e viva negro’ cobriu Urubu naquele dia” (Reis, 2003, p. 101), e a Negra Zeferina teve papel de liderança neste levante:
o presidente da província, num elogio involuntário, referiu-se a ela como “rainha”, título que deve ter ouvido dizer que ela carregava entre os rebeldes. Zeferina mais tarde declarou que seus súditos esperavam a chegada de muitos escravos de Salvador, na véspera de Natal, ocasião em que planejavam invadir a capital para matar os brancos e conseguir a liberdade. Ela também revelou que a maioria deles eram nagôs, tanto escravos como libertos. Neste caso, um candomblé existente nas matas de urubu era provavelmente nagô (REIS, 2003, p. 103).
Importante destacar que em uma das principais Províncias do Império, se configuravam vários levantes contra o sistema escravocrata, com destaque para essa Negra Africana chamada Zeferina que liderou um movimento em busca de liberdade, porém pouco conhecida e mencionada em nossas salas de aula e em nossos livros de história, mesmo após a Lei 10.639. Contudo, é importante asseverar que a circular nº 29 do Ministério da Fazenda, de 13 de maio de 1891, autorizou a queima de arquivos referentes ao período escravocrata, através do decreto feito pelo então Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, em 14 de dezembro de 1890. Em vista disto, podemos imaginar os inúmeros documentos que foram apagados da nossa história, entretanto, as pesquisas de Moura, Pedreira, Reis, entre tantas outras, revelaram “[...] a verdade histórica a que nenhum povo pode se furtar e não se deve procurar iludir”, como ironicamente afirma Nina Rodrigues (2008, p. 35).
Desta forma, precisamos lutar por uma justiça cognitiva, afinal as experiências sociais nos Terreiros de Candomblé, nas comunidades Quilombolas e nos Quilombos Urbanos, na Capoeira, nos Blocos Afros, dentre outros espaços, são produtores de conhecimento.  A população negra tem direito à educação, e tem o direito de ter seus saberes reconhecidos, visibilizados, visto que a ciência só reconhece o que é quantificável e mensurável, portanto os saberes populares são silenciados. Contudo devem ser tratados com a mesma excelência que os saberes científicos, ou seja, os mestres da nossa cultura popular devem ter espaço aberto nas escolas e nas universidades, para trabalharem com os alunos a construção de outras epistemologias, e trazerem os verdadeiros nomes da nossa história, como Zeferina, Beiru, dentre tantos outros.
  
REFERÊNCIAS
MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala, SP: Edições Zumbi, 1959.
________, Clóvis. Os Quilombos e a Rebelião Negra, SP: Editora Brasiliense, 1981.
________, Clóvis. Quilombos: Resistência ao Escravismo, SP: Editora Ática, 1987.
NINA RODRIGUES, Raymundo. Os africanos no Brasil. Salvador: Madras, 2008.
OLIVEIRA, Eduardo David de. A ancestralidade na encruzilhada. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2007.
______, Eduardo David. Filosofia da ancestralidade: corpo de mito na filosofia da educação brasileira. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2007.
PEDREIRA, Pedro Tomas. Os Quilombos Brasileiros. BA: Departamento de Cultura da SMEC, Prefeitura Municipal de Salvador, 1973.
REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. SP: Companhia das Letras, 1996.
SANTOS, Elisabete. et.al. O Caminho das Águas em Salvador: Bacias Hidrográficas, Bairros e Fontes. Salvador: CIAGS/UFBA; SEMA, 2010. 486p. :il.; .- (Coleção Gestão Social)

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4 comentários:

Vivian disse...

...cada povo tem a sua história que deve ser preservada,
porque são vidas que se fizeram presentes e entre estas
existem aquelas que vieram para deixar marcas mesmo que
para isso tenham sofrido na carne as dores de uma
uma luta, crença, ou ideologias!

aprendo tanto contigo, moço Sibarita!

smacksss, alma linda!

Rosemare Fiúza disse...

Maria Zeferina uma das muitas heroínas anônimas que através do Sibarita estamos tendo oportunidade de conhecer e que merece nossa admiração.Tanta luta desigual e injusta. Como diz Humaitá, realmente O Sibarita é Cultura. Rsrsrs. Bjos Nel



Ghost e Bindi disse...

Essas mulheres realmente merecem um destaque especial, pois foram guerreiras num tempo onde era ainda mais difícil uma mulher impor-se, tornar-se líder, ser respeitada...
Um viva a todas as deusas de ébano.

Feliz final de semana!

Bíndi e Ghost

Kátia disse...

Tanta história,tantas vidas!Pessoas marcantes por suas trajetórias e haja história!Parabéns e obrigada pela partilha tão rica!